"Onde há rede, há renda" Artesãos são nada mais que homens e mulheres que fazem da arte seu meio de subsistência, para estes artistas anônimos a arte não passa de um modo de produção, de um trabalho que é realizado para sua sobrevivência. É o seu cotidiano. O artesanato litorâneo de referência de base cultural açoriana é rico em variedade e qualidade, representando o listado abaixo uma pequena amostra do potencial existente, que precisa ser reavivado enquanto possibilidade de sobrevivência econômica de seus produtores. Matéria Prima
A população, em qualquer época e lugar, sempre procurou dar respostas técnicas às necessidade e desafios que surgiam. Uma dessas respostas foi o desenvolvimento do artesanato, produtos feitos manualmente e em pequena escala. São objetos utilitários de grande importância nas lidas diárias, seja em nível doméstico ou profissional, com variações, entre diversas culturas, na forma de lazer, de apresentar e nas matérias-primas utilizadas. A
variedade e qualidade
do artesanato está na relação direta com a matéria-prima disponível,
sua utilidade e a habilidade individual do artesão, marcas da
identidade regional na confecção e respectiva utilização. A produção
artesanal compreende: a)
artesanato - produção de objetos utilitários e decorativos;
b) produção agrícola - produtos alimentares resultantes da transformação em processo artesanal de certos produtos agrícolas;
c) produção pesqueira - produtos alimentares resultantes de técnicas de conservação e transformação artesanais de espécies marinhas.
O
artesanato, quanto à matéria-prima, utilizada, pode ser agrupado em:
linha, palha, madeira, cipó, taquara, barro (cerâmica), etc.
Linha
Utilizada na
confecção de rendas de bilro, toalhas, trilhos; rendas em geral para
enfeites diversos, crivo, crochê; troco, teares manuais para tapetes,
mantas, tecidos, para calças, saias e blusas; tarrafas, redes, espinhéis.
O artesanato à base de linha continua sendo produzido em diversos
pontos da ilha.
Palha
De uso na produção de certas bonecas de palha de milho, chapéus, esteiras, enfeites.
Madeira
Fundamental na
produção de inúmeros utensílios domésticos e de trabalho: gamelas,
tamancos, moveis, cochos, engrenagens de engenhos, cabos de
ferramentas brinquedos, cangas de boi, canoas, etc. Em largo uso no
litoral, alguns dos itens; outros, pelo desuso, estão deixando de ser
fabricados, mas existem artesãos que podem restaurar a produção de
canoas, tamancos e outros itens.
Cipó
Utilizado para Fazer cordas e estruturas de balaios, samburás e amarrações, em comunidades tradicionais. Com o aparecimento das cordas industriais, perdeu esta função, sendo ainda utilizado para balaios e samburás.
Barro
Utilizado na confecção
de peças de cerâmica, tanto utilitárias, quanto decorativas, bem
como na produção de outros objetos. Panelas, potes, bilhas, pratos,
canecas. tijolos, telhas, fornos, esculturas são alguns objetos
produzidos a partir do barro.
Taquara
De uso na produção do tipiti (para prensar a massa da mandioca nos engenhos), balaios e peneiras. Com o aparecimento dos objetos de plástico e caixas de madeira com sacos na prensagem da mandioca, a taquara praticamente saiu de uso. Existem muitos artesãos que podem ser estimulados a produzir esses artigos com Finalidade decorativa.
Conchas
Poucos artesãos
nativos valorizavam e utilizavam esta matéria-prima. Hoje, existe
mercado para tais produtos, o que tem estimulado seu uso.
Canoa de um pau só
As canoas usadas na pesca na Ilha são conhecidas como canoa bordada e borda alta ou borda falsa, e confeccionada de um pau só. A madeira usada é o garapuvú branco ou vermelho além do cedro, pau-de-bicho, figueira-branca (gameleira) e a timbuíva (timbuva). Recebem, na grande maioria, nomes próprios que homenageiam alguém ou sua fé cristã, como por exemplo: Deus me guie, Senhora da Conceição, Santa Maria, Quebra-mar, Odete, Rute, Moreninha, Santa Ana. A tripulação destas embarcações comportam é composta por quatro ou cinco homens: o patrão e três remeiros. Dois proeiros e um chumbeireiro. São equipadas com remos de voga e um remo de pá.
Rede de Pesca
Tarrafas, redes, feiticeiras, pandorga, rede de cerco, caçamba, jereré, coca, balaio, etc, etc, etc... são somente alguns dos artefatos utilizados pelo homem do mar da Ilha de Santa Catarina. Peças artesanais que permitem ao pescador desenvolver as técnicas repassadas, de gerações em gerações, e fazem deste artesanato um modo de subsistência. Se por um lado esta cultura foi efetivamente empobrecida, passando a condição de simples atividade de transformação de fio de nylon em instrumento; por outro lado, permanece tendo um um número significativo de praticantes. Com relação as redes, eram confeccionadas antigamente com material da fibra do gravatá, mais tarde foi usado o barbante, e atualmente usam o nylon. Suas tralhas eram confeccionadas com cordas feitas das fibras da imbiraçu, imbira branca e da fibra da peteira. A tralha superior era guarnecida com cortiças de madeiras leves e atualmente com cortiças ou bóias de isopor. As tralhas inferiores com chumbos de forma cilíndrica vazados, feitos de argila cozida e também com saquinhos cheios com areia, e, atualmente, as tralhas são de corda de nylon, sendo que na tralha inferior o chumbo é embutido. As redes de barbante eram tingidas de tempo em tempo depois de adoçadas quando retiravam do mar, com uma tinta extraída por um processo de cozimento ou fermentação, retiradas da casca do comboatá, pau-ferro, mangue-charuto e da aroeira, garantindo assim, uma maior conservação contra a ação desgastante do sal. Depois de tingidas, as redes apresentavam uma cor arroxeada. As redes apresentam trezentas braças ou mais de comprimento, por dez ou mais de altura. Uma é arrastada para a praia através de dois cabos laterais que têm, mais ou menos, cem metros de comprimento cada um. As malhas das redes para tainha têm de três a quatro pontas de dedos de largura. As canoas usadas na referida pesca têm de 40 a 50 palmos de comprimento, cinco e meio de largura e três de pontal.
Renda de Bilro
O Mito grego de Arakné
Conta a crença que havia uma jovem de Colophon que dominava com tamanha perfeição a agulha que desafiou Minerva a competir com ela. A deusa teceu as belezas com as grandezas do Olimpo, sendo que a camponesa as maravilhas com todo o esplendor do campo doado pela natureza. A deusa foi vencida e com grande irritação.
A Rendeira
Crianças, moças, mulheres feitas e senhoras de idade, tornaram-se verdadeiras artesãs do fio de algodão, do bilro e da almofada. Sua perseverança aliada a aguçada técnica no desempenho desta atividade permitiu a ela esperar o homem que muitas vezes custava a retornar de seu labor, meses até. Entre a grande diversidade de tipos e formas de rendas desenvolvidas, variando de uma região para outra da Ilha. As mais expressivas são: a renda Céu Estrelado (peça única com bico-de-pato em ponto torcido e paninho); a renda Bicuda (roda de bico-de-pato com seu centro em ponto de trança, ponto torcido e ponto puxado), geralmente produzida em jogos de várias peças; a renda de Arco (bicos-de-leque com o centro das peças que chegam a atingir mais de um metro de diâmetro em arco de meio ponto), feita em grande variedade de tamanho e formas geométricas; a renda Tramóia, feita com sete pares de bilros, em peças únicas e grandes, geralmente usadas como colchas, trilhos ou toalhas de mesa. A cultura da renda acompanha a cultura da rede de pesca "onde há rede, há renda" (dito português). Durante a Idade Média era muito difundida na Europa. Entrando em decadência a partir do século XVII. Nos Açores, o artesanato se manteve forte onde em seguida foi trazido para o Brasil com a imigração. Originária do bordado, diferenciando-se dele por ser executada com os pontos no ar, sem o tecido. Os materiais utilizados em sua confecção são os fios como matéria-prima e os instrumentos de trabalho como os bilros de madeira, a almofada, alfinetes e cartões perfurados com os "moldes". Até meados do século passado, a confecção de renda centrava todo um complexo cultural na Ilha. A produção do fio, seu tingimento com pigmentos naturais, a confecção da renda, a troca, o presentear, eram momentos de um "continuum" incessantemente repetido.
Tear
O
aparelho em que se teciam, em toda a Ilha como também no continente,
guardanapos, toalhas, colchas, riscados e tantas peças de algodão tão
comuns, é o tear retangular, que apareceu evolutivamente logo depois do tear
vertical. Antes, porém, do aparecimento dessa espécie de engenho tecia-se à
mão. Mas
o tear, atualmente, apesar de arcaico e em desuso, representou para a o
habitante ilhéu uma grande conquista no ramo da tecelagem tempos atrás,
tanto que, apesar de todos os progressos realizados neste sentido, se
perpetuou, por todos os cantos. O
tear catarinense, tipo retangular, que era armado sempre nas casas em um
compartimento de chão, era encontrado em todas as freguesias e arraiais da
Ilha, principalmente em Canasvieiras. Conforme
descreve Virgílio Várzea, em seu livro “Santa Catarina, A Ilha”: “...O
aparelho era todo de madeira e compunha-se de uma armação retangular de
2,20m de comprimento por 1,80m de altura, dividida em duas partes - uma imóvel
e outra móvel. A imóvel, também chamada varal, era formada por
quatro moirões ou colunas fincadas no chão sobre duas travessas laterais,
com duas outras paralelas a altura de 80cm, e ainda duas outras no alto,
fechando e reforçando o aparelho para que este resistisse ao bater rígido e
contínuo do pente, durante sua utilização. Na
parte imóvel, a cada cabeceira, há um cilindro - o da frente e onde se
enrola a teia à proporção que é manufaturada, tendo para isso uma manivela
a um dos extremos; o outro, que fica na parte posterior da armação,
denomina-se pregador, e é o lugar onde se fixa a urdidura, que
dai se vai desprendendo, gradativamente, a maneira que a teia cresce. Depois
vem os lisses, que suspensos por cordinhas em roldanas seguras às
travessas de cima, por um movimento das prernedeiras ou pedais sobem
e descem verticalmente, fazendo cruzar os fios da urdidura, que se lhe
prende às extremidades de baixo, nas suas telas duplas. O pente é
também uma das peças principais do tear; compõe-se de uma espécie de
grossos sarrafos em quadro e prende-se no alto das duas travessas superiores,
num entalhado que aí existe, de modo a dar-lhe mobilidade ao menor
impulso, pois que às mãos do operário a sua função é apertar a trama na urdidura,
após o passar da lançadeira. Segue-lhe a travessa onde o tecelão
apóia o peito, quando em atividade, sentando1 ao tosco banco que corre à
frente do tear em toda a sua largura. O
aparelho era manipulado pela mulher, que era quem desde tempos coloniais se
ocupava na indústria têxtil. Colocada e ajustada a urdidura que se enrola no cilindro posterior e se fixa no da frente, depois de passar pelos dois lisses e pelo pente ou batedor; preparada a lançadeira - espécie de canoinha, que os franceses chamam navette com os carretéis onde se envolve a trama, a teceloa senta-se a frente do aparelho, no banco, e, com os pés nas prernedeiras movimenta o mecanismo, fazendo baixar um lisse enquanto o outro se ergue formando então os dois panos da urdidura um paralelograma, por onde corre a lançadeira que é jogada destramente, - após o que o pente bate forte a trama, numa primeira pancada ritmada e seca, logo em seguida outra, e outra, e muitas outras, que ecoavam pelo sitio durante dias inteiros...”
Os Engenhos de Farinha de Mandioca da Ilha de Santa Catarina. Nereu do Vale Pereira. Santa Catarina, A Ilha. Virgílio Várzea. Domínio Público. |