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O meu cavalinho/ele já chegou/o dono da casa/já cumprimentou...

   


Nesta seção foram selecionadas as danças típicas mais populares.

    

   

Ratoeira na Lagoa

Os antigos moradores da Lagoa da Conceição tinham o hábito de se reunir nos engenhos de farinha para ajudar a raspar mandioca e fazer farinha. Após o trabalho, quase sempre à noite, todo o grupo ia dançar a ratoeira. Formavam uma roda, davam as mãos, um entrava na roda e cantava um verso. Quem cantava, saia da roda e chamava outro, sempre cantando. Em geral eram versos destinados à determinada moça (o). E assim começavam os namoros que, às vezes, terminavam em casamento.


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Boi-de-Mamão

  

  

Na Ilha de Santa Catarina, como em quase todo o litoral catarinense - declara Osvaldo F. Mello Filho, em "O Boi de Mamão no Folclore Catarinense", o tradicional ciclo das festas populares de Natal compreendia os "ternos de reis", entre as noites de 24 de dezembro a 15 de janeiro, os "catumbis" pela mesma época, e o "boi de mamão" que se estende, atualmente, até às vésperas do carnaval.

Sobre o Boi-de-mamão há quem fale de que, nas representações desses autos populares, há muitos anos atrás, usava-se de mamão verde para a confecção da cabeça do boi, de onde teria surgido o termo local, que logo se teria espalhado por todo o litoral catarinense. Nada há, porém, de positivo. Tal origem, como a da própria formação dessas danças populares, deve estar perdida nas sombras de infra-história e só um acaso poderá fazer luz sobre o assunto.

As danças de boi, de todas as pantomimas conhecidas no ciclo de Natal e Reis, são, sem dúvidas, as mais populares e freqüentes. De uns anos para cá, essas festas se vêm estendendo até às portas do carnaval, por uma questão que podemos denominar de afinidade estética. As formas grotescas dos animais e as vestes dos dançarinos, muita vezes enfeitadas, coadunam-se bem com as máscaras e fantasias dos súditos de Momo.

É curioso registrar que há quase uniformidade entre as danças do boi nos vários municípios litorâneos do Estado.

Em toda a região do oeste do planalto, e nas zonas de colonização estrangeira, onde o alienígena foi outro que não o português, são quase completamente desconhecidas essas danças folclóricas.

Geralmente, os bichos tradicionais se assemelham, nas suas características, aparecendo, contudo, as variantes locais. Em São José, havia o sultão, uma variante do urso. A caipora, ser fantástico da floresta também foi integrante no grupo. 

O "curru" e a "Jaruva" são personagens que integram as farândulas neo-trentinas. Em Itajaí, onde também correm lendas que teriam originado a "bernúncia", esses festejos populares apresentam quase todos os mesmos "bichos" conhecidos na ilha, com pequenas variantes. O cavalinho, por exemplo, é chamado de "cavalo marinho"; o feiticeiro, "seu dotô", etc.

Em Laguna, cidade litorânea do Sul, cujo folclore se identifica com o ilhéu, as figuras tradicionais são a bernúncia, o urso, o boi, o cavalinho, o cabrito, o vaqueiro e o Virgulino, uma variante do feiticeiro.

Havia, também, há tempos atrás, o "arreceio", que parecia representar um grande carneiro. Porém, depois que de uma feita esse "bicho feroz" arremeteu contra os assistentes, numa dança pública, ferindo vários deles, foi desligado das brincadeiras que se seguiram, com a advertência de "arretira o arreceio", "cuidado com o arreceio".

Eis aí demonstrado o espírito jocoso, quase sempre dominante nesses festejos populares e que dão margem a uma grande quantidade de histórias que se contam pelo interior.

Também as formas temáticas dos versos cantados nas diversas regiões se identificam num mesmo fundo de origem, embora se improvise muito.

Eis a descrição do "Boi de Mamão", tal como é conhecido em Florianópolis:

  

O Mateus - figura principal que representa o vaqueiro - entra em cena, a um sinal de apito, trazendo o boi, enquanto o solista e o coro, em resposta começam:

  

Vaqueiro, traz o boi

Não me queira demorá.

  

Vem cá meu boi, vem cá.

 

Quero ver Mateus dançando,

Pra fazer o boi dançá,

 

Vem cá meu boi, vem cá.

 

Quero ver boi de mamão,

Vir dançá, rentinho ao chão,

 

Vem cá meu boi, vem cá.

 

Atravessa no caminho,

E não deixa ninguém passá.

 

Vem cá meu boi, vem cá.

 

Atravessa numa lagoa,

Onde nunca ninguém passo.

 

Vem cá meu boi, vem cá.

 

Sete corrente que tinha,

todas sete arrebentô.

 

Vem cá meu boi, vem cá.

 

Dá uma volta em roda,

De todo este salão.

 

Vem cá, meu boi, vem cá.

 

O boi, manejado por um hábil dançarino pula, volteia e saracoteia até que o Mateus, que lhe acompanha os movimentos dá sinais de cansaço. Em dado momento, com um espeto de pau, o Mateus cutuca o boi e a dança pára. A cena que se segue é quase solene.

Cessa o canto; só uns murmúrios e risos da assistência anuncia a entrada de uma figura bizarra, toda de negro, representando o pássaro dos mortos. O urubú entra no círculo, pouco a pouco se adiantando a fim de bicar o boi caído. É, no entanto, impedido pelo curandeiro ou doutor que acorrerá ao chamado do Mateus, para benzer o boi. Segue-se uma rápida encenação e o urubú some aos pulos. O benzedor, coberto de folhas e pequenos arbustos, com um galho de alecrim na mão, fazendo gestos característicos pronuncia a seguinte quadra:

  

Eu benzo o meu boi,

Com um galho de alecrim,

Senhor dono da casa,

Não se esqueça de mim!

 

Nessa ocasião, como é tradicional na ilha, o Mateus sai a recolher algum dinheiro que as pessoas presentes oferecem.

Já o boi estava em cena, com suas reviravoltas, enquanto o alarde da assistência acompanha a quadra:

  

Alevanta boi doirado,

Alevanta de vagar.

Já te disse uma vez,

Não te torno a mandar.

Te apronta e vai embora,

Que tua dança tá na hora.

 

O canto cessa, mas não o será por muito. Novos versos e novas melodias, rompem os ares. Entra em cena o cavalinho. E o coro não se faz esperar:

 

O meu cavalinho,

Ele já chegou.

O dono da casa

Não cumprimento. Coro - bis

 

O meu cavalinho,

Com laço de fita,

O ginete dele

É moça bonita. Coro - bis

 

O meu cavalinho,

Cavalo picasso,

O ginete dele

É o que traz no laço.

 

O meu cavalinho

Vem que tem que vir

Que a viagem é longa

Temos que seguir. Coro – bis

  

Eis que, em dado momento, o ginete laça o boi por um dos cornos, para tirá-lo do círculo, aos som dos versos finais:

 

O meu cavalinho

Não tem mais demora,

Dá a meia-volta

Laça e vai embora!

 

Sai o cavalinho. Uma ligeira pausa e um novo estrilo de apito. Outro "bicho" todo enfeitado entra em cena. É a cabrinha; versos alegres e ligeiros assinalam-lhe a chegada:

 

Oi que bicho que vem,

Ei cabra, ei cabra!

É a cabrinha e vem pulando,

Ei cabra, ei cabra!

Quero ver minha cabrinha,

Ei cabra, ei cabra!

Vir dança rentinho ao chão,

Ei cabra, ei cabra!

O vaqueiro da cabrinha

Ei cabra, ei cabra!

Dá uma volta bem feitinha,

Ei cabra, ei cabra!

A cabrinha dá um berro,

Ei cabra, ei cabra!

Que assusta o vaqueiro,

Ei cabra, ei cabra!

Ei cabrinha tá na hora,

Ei cabra, ei cabra!

Dá um pulo e vai embora,

Ei cabra, ei cabra!

 

O "bicho" sai aos pinotes, com algazarra dos cantores. A festa chega ao ponto culminante; a cena de maior emoção é aguardada com grande expectativa. Uma máscara de medo, quase pavor, cobre as faces das crianças; as expressões de surpresa, porém, notam-se também nos adultos, ao grito de:

“Olha o bicho que come gente... come gente...”

A bernunça, disforme e extraordinariamente grotesca, animada por dois dos mais hábeis dançarinos, entra em cena. Já o coro começa:

 

Bernunça, minha bernunça

Bernunça do coração

A bernunça dança bem

Quando chega no salão. Coro - bis

 

Olé, olé, olé, olé, olá,

Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

 

A bernuça é bicho brabo,

engoliu mané João.

Come pão come bolacha,

Come tudo que eles dão.

 

Olé, olé, olé, olé, olá,

Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

 

A bernunça vem chegando,

Espalhando toda a gente.

É o bicho que alvoraça,

Quando chega de repente. Coro - bis  

 

Olé, olé, olé, olé, olá,

Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

 

A bernunça tá dançando,

Ouve que diz um colega

De noite não vá pra rua,

Que a bernunça pega. Coro – bis

 

Aquele monstro de pano e massa dança e saracoteia, espalhando gente, causando correrias, risos e gritos e escorregando, de quando em vez, um garoto pela goela enorme. (A criança entra facilmente pela boca descomunal e sai por baixo da armação de pano).

Quando depois de dançar por alguns minutos, os vaqueiros carregam a grotesca carcaça para fora do círculo, já quase todos fazem coro:

 

Olé, olé, olé, olé, olá,

Arreda do caminho

Que a bernunça quer passá!

  

A representação está finda!... Pouco a pouco, os cantores e dançarinos, retiram-se, carregando seus instrumentos e as burlescas armações, cantando:

  

Vamos embora, minha gente,

Bananeira, chorá, chorá.

 

Para lugar diferente,

Bananeira, chorá, chorá.

 

O dia vem raiando,

Bananeira, chorá, chorá,

 

ou então:

 

Cai, cai,

Na boca da noite o sereno cai" 

   

   


...

Cacumbi

   

De origem africana e representa a luta entre o duas nações negras: os reis congos e os reis bombos. É dançada em homenagem a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Os cantos são denominados marchas e marchas-fogo e são acompanhados por música de pandeiro e batuque de tambores em várias toadas.

A dança do Cacumbi, ou Ticumbi, é uma manifestação da cultura popular afro- brasileira e simbolizava, originalmente, uma guerra entre duas nações negras. No sincretismo religioso brasileiro, a dança se integrou ao culto de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, com a sua apresentação na véspera, ou no dia desses santos. no interior das respectivas igrejas. Em Florianópolis, resta uni único grupo de Cacumbi, dirigido por João Campos, que substituiu o capitão Francisco Amaro, antigo dirigente do grupo, falecido em 1991.

A ligação histórica com a Igreja, o grupo continua existindo, mas há muito tempo não se apresenta publicamente. Na última oportunidade em que isto ocorreu, a apresentação foi feita em palco ao ar livre. 

A dança do Cacumbi é formada por duas alas de marinheiros trajados com calças azuis e camisas brancas, sapatos brancos e chapéus enfeitados por quatro fitas, tendo um Capitão ao centro, desempenhando o papel de chamador.

 

Exemplo de uma marcha:

          

A nossa senhora

Saiu hoje na rua

Mandando seus filhos

Fazer meia-lua

 

Nós chegamos hoje

Salvar nossa praça

Oh! São Benedito sejais

Nossa Senhora da Graça

 

Ó matumba, ó querenga, ó erunganda

Ó erunganda, ó matumba,ó querenga

O querenga, ó matumba, ó erunganda

Olha lá!

            

Trecho de uma marcha-fogo: (ritmo mais acelerado)

 

Quero ê, quero á

Quero ê, quero á

Senhor dono da casa

Qui tem pra mi dá

 

A encenação alcança seu ponto alto na luta entre o Capitão e os marinheiros, que exigem o pagamento de sua "ração".     

 

Cantoria:

 

Ó sinhô, sinhô, sinhô Capitão.

Que dê o dinheiro da nossa ração.

 

Chamador:

 

Vai timbora sordado

Não me venha atentar

Com essa espada

Não se pode brincar

 

Cantoria:

 

Ó sinhô, sinhô, sinhô Capitão.

Que dê o dinheiro da nossa ração.

 

Chamador:

 

Não tenho dinheiro

Não tenho mais nada

Eu tenho é a ponta

Da minha espada

 

Cantoria:

 

Ó sinhô, sinhô, sinhô Capitão.

Que dê o dinheiro da nossa ração.

 

Chamador:

 

Sinhô dono da casa

Me dá um tostão

Pra faze o pagamento

Do meu batalhão

 

Originalmente, o ritual apresentava um cortejo real ao som de batuques, acompanhado de movimentos coreográficos. O rei e a rainha eram coroados pelo Capitão do grupo e cobertos por um manto bordado, que identificava a nação da qual eram soberanos. Com o tempo, este cortejo desapareceu, restando apenas uma "embaixada de guerra", composta pelo grupo de marinheiros e uma Porta-Bandeira.

No Nordeste brasileiro, onde o Cacumbi é conhecido como “Baile-de-Congos” ou “Congados”, a dança preserva muitas de suas características originais.

   

    


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Pau-de-Fita

   

   

A Dança do Pau-de-Fita, de múltipla origem portuguesa, alemã e hispânica, em Florianópolis é originário dos Açores, é também chamada Jardineira ou Dança dos Arcos e Flores, Dança-do-mastro, Dança-das-fitas e Dança-das-tranças. Costuma-se praticá-la como recreação infantil nas escolas básicas. A dança é apresentada em 8 duplas de casais que trançam fitas coloridas presas a um mastro alto. Depois, desfazem o trançado sem poder errar, enquanto se dá a cantoria em verso, alusiva à apresentação. Sendo, o trançamento, o centro das apresentações, na Ilha desenvolveram-se várias formas, possuindo denominações tradicionais, como: o Tramadinho, a Rede-de-pescador, o Trenzinho e a Trança-feiticeira. Há outras danças como a Ratoeira, que é a ciranda brasileira e a do Capote, uma espécie de jogo praticado na época da farinhada, que desapareceu junto com os engenhos de farinha.

   

No Ribeirão da Ilha, muito disputado na época junina quando era representado e era cantado assim:

  

O amor quando nasce

Parece uma flor

É tão delicado

Tão cheiro de amor

 

Seria tão bom

Que ele fosse uma flor

Sem ter espinho

Da dor

 

Depois que tudo

E sonho ao luar

Começam os desencantos

O amor passa a existir

Só na voz do nosso canto

   

O pau-de-fita varia de região para região. As quadras também são inventadas para a apresentação de acordo com o cantador, mas sempre dentro do mesmo ritmo.

   

   


.....

Ratoeira

   

    

A ratoeira antigamente também tinha homens na roda, não era só de mulheres como se apresenta hoje. Era brincada geralmente nos feriados, aos domingos à tarde, nas festas, nas reuniões de famílias. Era uma forma da gente expressar o que se sentia (amor, satisfação, amizade, tristeza, raiva, etc.). Para iniciar a cantoria fatiava-se uma roda, e os homens também brincavam e jogavam suas quadras para que outro fizesse a réplica.

  

Homem apaixonado:

   

Ratoeira não me prenda,

qu'eu não tenho quem me solte;

a prisão da ratoeira

e como a prisão da morte.  

   

Meu amor, meu amorzinho

Beijo de café maduro

Pode rir pode brincar

Que o nosso amor está seguro

  

Às vezes a roda ficava tão grande que tinha-se que montar outra roda. As quadras sempre eram tiradas de improvisos, sempre havia a obrigação de fazer as quadras com inteligência, jogava-se para a pessoa escolhida na roda, e a mesma tinha de responder com outra quadra. Quando falava-se de amor, de paixão, de amizade, ou gratidão não havia problema, aliás, quando alguém resolvia lembrar algum episódio de alguém da roda e ainda torná-lo público, a roda pegava fogo.

   

Em muitas ocasiões não se permitia a entrada de certas pessoas...

   

Eu entrei na ratoeira

Mas não Foi para cantar

Quem o meu coração queria

Na ratoeira não está

  

De conquista:

   

Oh! Que coqueiro tão alto

Com dois cocos na ponta  

Os olhos dessa menina  

tia' correm por minha conta

   

Ratoeira bem cantada

Faz chorar faz padecer

Também Faz um triste amante

Apartarem bem querer

   

De lembranças:

  

A folha de bananeira

Tem direito e tem avesso

Eu te conheço menina

Desde pequena do berço

 

De despeito:

  

Meu amor me deixou

Pensa que eu tenho paixão

Não me faltam Deus do céu

Amor não me faltarão

  

De paixão:

  

A laranja era verde

Com o tempo amadurou

Meu coração era firme

Veio o teu e me cativou

   

Oh! Que praia tão comprida

Tão custosa de se andar

Oh! Que olhos de menino

Tão custosos de se amar

  

De saudade:

  

Quando canta o rouxinol

Lembra-te da tarde linda

Te recorda do passado

Olha eu te amo ainda

  

De convite:

  

Senhora dona'na

Faz favor de entrar na roda

Diga um verso bem bonito

Diga adeus e vá embora

  

De tristeza:

  

Quem pudesse estar agora

Onde está o meu amor

Naquele campo sereno

Naquele jardim sem flor

  

O caminho da minha casa

Já está chefinho de capim

Já se acabou as passadas

Que o meu bem dava por mim

  

De preocupação:

  

Minha mãe casai-me cedo

Enquanto sou rapariga

Que o milho plantado tarde

Nunca deu boa espiga

  

  



Oswaldo F. Mello Filho

Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, XXIII

Domínio público