.

 

Ai põe aqui..., ai põe aqui o seu pezinho... (pezinho)

 


Segundo se depreende dos estudos relativos à poesia nos Açores, em especial dos que remontam aos séculos XVIII e XIX, a música, a dança a cantiga; ali, geralmente compunham tríades em que a melodia, a coreografia e a letra das canções grupavam-se harmonicamente, a integrar um conjunto sugestivo, quase sempre tendente a representar um estado psicológico, um sentimento, uma emoção. É de acreditar tenha o colono das ilhas trazido ao Desterro, completas e plenas de colorido artístico, essas encantadoras modinhas que ainda hoje, embora deturpadas e apesar dos artificiosos acréscimos que se lhes deram, constituem a nota interessante dos animados serões nos últimos redutos do tradicionalismo florianopolitano.

   

 

Para ouvir as músicas abaixo siga o conselho do mané:

"Pra ti inscutá as cantiga teji qui inspera alguns sigundinho."

 

Algumas cantigas da Ilha

Interpretadas por Alisson Mota (ex integrante do Grupo Engenho) em 

"Canções do Folclore da Ilha de Santa Catarina".

Disponível em CD e letras cifradas pelo fone: 0xx48 223 3428

 

Cana verde

Caranguejo

Ratoeira

 

Algumas cantigas do Açores

Gentilmente cedidas pelo excelente "Grupo de Cantares Belaurora" de São Miguel, Açores, Pt.

visite o site: www.virtualazores.com/belaurora

 

Chamarrita - Flores

Pézinho - Faial

Tirana - São Jorge

 


..

Cantorias

 

 

Dentre os cantares insulanos, destaca-se, já pela opulência emotiva, já pela expressividade reveladora do sentir açoriano, saudade, canção em que a alma ilhoa chora tristezas:

 

A saudade é um luto,

uma dor, uma paixão;

é um cortinado roxo

que me cobre o coração.

 

Saudade, terna saudade,

emblema do meu viver;

companheira da minh'alma,

só morres quando eu morrer.

 

As amarguras do amor ausente, do amor ingrato, do amor esquecido, são temas freqüentemente tratados pela musica popular açoriana:

 

Tristes ais, correi depressa,

ide dizer ao meu bem

que morro de saudades

se ele acudir-me não vem.  

...

   

Tristes ais, tristes suspiros,

que da banda do mar vem:

não são ais nem são suspiros,

são saudades de meu bem.

...

   

O tirana saudade,

vem a mim, tira-me a vida,

que a prenda que eu amava

está de todo perdida.

 

Idêntico tema, entre os cantadores da Ilha, leva-os a súplica semelhante:

 

Quem de amor vive deixado,

a mesma vida enfastia;

tenho chegado a pedir

a morte todos os dias.

 

Com propriedade e lirismo, o recurso da imagem poética é manejado pelo homem dos Açores:

 

Sou como pranto sem mágoa,

sou como jardim sem flores,

sou como lago sem água,

sou como a vida sem amores.

 

Não é de estranhar o nativo de Canasvieiras ou do Rio Vermelho escutem-se versos deste quilate:

 

Alma no corpo

não tenho minha existência é fingida;

sou como um tronco

quebrado que dá sombra sem ter vida.

 

Ainda que o fogo se apague,

na cinza fica o calor;

ainda que o amor se acabe,

no coração fica a dor.

 

Lamuriando saudades, o manezinho também conserva, além das quadras, outra singela e encantadora tradição, os graciosos e ternos abecês amorosos, cartas de amor em canções de bem-querer.

A Tirana expressava para os açorianos a mágoa pela indiferença ou traição no amor. A fortes pisadas, os dançadores marcavam o compasso, enquanto o cantador soltava a quadra:

 

O tira... tira... Tirana,

Tirana das flores brancas

ó das flores brancas, (bis)

eu não sei mostrar carinhos

a quem me mostra carrancas.

Olé carrancas... o sim, carrancas.

 

Não longe vão os dias em que, violenta, irrompia a Tirana nos bailes do interior da ilha, com música, letra e dança peculiares:

 

Tirana... tira... Tirana,

Tirana terei, meu bem;

quem quiser ver a Tirana

fica tirano também.

 

A Tirana é mulher velha,

não aparece a ninguém quem

quiser ver a Tirana

tem de pagar um vintém.

 

A permanência das trovas ou dos respectivos temas, tal como se observava na moda da Tirana, atesta o emprego, pelo ilhéu, das modas da Cana Verde, Ratoeira e a do Caranguejo, como os trechos a seguir:  

   

Cana Verde   

    

O balançar do balancéu,

quando vai balancear; (bis)

depois do balanço feito,

cada par no seu lugar. (bis)

  

A cana verde miúda,

Conserva sua paixão; (bis)

eu também conservo a minha,

dentro do meu coração. (bis)

 

A cana verde, no mar,

anda à volta do vapor; (bis)

inda está para nascer

quem há de ser meu amor. (bis)

 

Eu mandei buscar no rio,

remédio pra dar ausência; (bis)

me mandaram três espinhos

que eu tivesse paciência. (bis)

   

Eu plantei a cana verde

lá em baixo na baixada; (bis)

me chuparam a cana toda,

me deixaram a bagaçada. (bis)

 

Ratoeira 

 

Ratoeira não me prende,

que eu não tenho quem me solte;

a prisão da ratoeira

é como a prisão da morte. 

 

Caiu no enxuto, caiu no molhado,

caiu nos teus braços, meu cravo encarnado;

meu cravo encarnado, meu boquê de flôr,

nasceste no mundo, pra ser meu amor.

 

Lá em cima daquele morro,

tem um pé de carriola;

quem quiser casar com as moças,

prende as velhas na gaiola

 

Joguei com a morena por cima do lírio

não chora morena que eu caso contigo

não chora morena que eu caso contigo

joguei com a morena por cima do lírio

 

Passei pela manjerona

lancei a mão na semente

eu passei pelos seus olhos

fiquei preso para sempre 

 

Seu fosse um peixinho eu sabia nadar

levava a morena pro fundo do mar

levava a morena pro fundo do mar

Seu fosse um peixinho eu sabia nadar

 

Estendi meu lenço branco

na ramada da suscena

meus olhos gostam de olhar

a menina da cor morena

 

A folha da cana a geada matou

lembrança pro velho que a velha mandou

lembrança pro velho que a velha mandou

a folha da cana a geada matou

 

Vou fazer a minha casa 

lá no alto da vigia

só pra ver o meu amor

quando vem da freguesia

 

Meu galho de malva meu manjericão

dá três pancadinhas no meu coração

dá três pancadinhas no meu coração

meu galho de malva meu manjericão

 

Ratoeira bem cantada,,

faz chorar, paz padecer;

também faz um triste amante;,

o seu amor esquecer.

 

Meu galho de malva meu manjericão

dá três pancadinhas no meu coração

dá três pancadinhas no meu coração

meu galho de malva meu manjericão

   

Caranguejo

 

Caranguejo não é peixe

Caranguejo peixe é

Caranguejo está na toca

Tá à espera da maré  

A mulher do caranguejo

Foi à praia passear

A maré veio e levou

Pra nunca mais voltar

 

Chamarrita I

 

A moda da Chamarrita

para mim já me aborrece;

eu já estou chamando a Rita

e a Rita não me aparece.

 

Esta noite choveu rosa

de brilhante serenou;

lá vem vindo o sol raiando

a enxugar quem se molhou.

 

Tens o teu cabelo crespo

agora que reparei;

s'eu reparo há mais tempo

não amava a quem amei.

 

Chamarrita II

 

No meio daquele mar

tem um nó de fita azul;

não é fita não é nada

é o vento que vem do sul.

 

Tá ventando um vento sul

Do norte vem uma aragem;

Se meu amor está pro norte

Deus lhe dê boa viagem.

 

Vira o remo pra correr do mar

Maria da vela, moreninha oiá

 

 

De todas as modas procedentes dos Açores, a que sobre a persistência das cantigas ainda guarda a permanência da música, é a Chamarrita, na qual os pares, em rápida dança de roda, volteavam no salão, revezando-se, enquanto os convivas deitavam os seus versos.

Entre as diversas modas que espalharam-se pela Ilha, nas várias comunidades interioranas e pesqueiras, além das já mencionadas, podemos ainda destacar: Baleia da Armação, Caranguejo da Armação, Constança, Maria e Linda Flor, entre outras, como os trechos a seguir:  

 

Baleia da Armação 

 

No caminho do Tibúrcio

já não vive mais areia

já fizeram uma lagoa

do azeite da baleia.

   

Não vou, não vou

Não vou, não vou lá não

convidaram pra ir ver

a baleia da armação.

...

  

Caranguejo da Armação 

    

Meu amor tá na pior

minha vida não alcança

se eu tivesse um portador

eu lhe mandava lembrança.

   

Ai, ai, ai galho de manjericão

Ai, ai, ai galho de manjericão

deixe me agora cantar

o caranguejo da Armação.

...

   

Constança 

   

Constança minha Constança

Constança do Arvoredo

eu hei de amar Constança

de teu pai não tenho medo.

   

Dominé por esta rua

Dominé passa meu bem

Dominé será por mim

Ai Dominé por mais ninguém

...

   

Maria 

 

Maria vem ver a lua

como vem tão cor-de-rosa

com seu lindo clarão

ela é linda como uma rosa

 

Maria, minha Maria

Maria és meu amor

a lua foi testemunha

quando eu jurei e ela jurou.

...

    

Linda Flor 

   

Ó flor ó linda flor

ó flor vem cá

ó flor ó linda flor

ó flor do maracujá

  

Ó linda não namora assim

seu pai vendo pode não gostar

eu é que não me importo

eu hei de namorar.

  

Eu sou solteira quero me casar.

...

      


...

Cantigas de Trabalho

  

   

Havia também as cantorias que embalavam as noites ou as madrugadas quando fazia-se o transporte de produtos agrícolas até o seu destino. Os carros de boi vinham cantando, no seu barulho tradicional, eram os mais utilizados.

 

Já dizia o seo Antenor Silva de Tijuquinhas em 05/10/86.

 

"...muitas vezes cantava-se para espantar o medo, pois as distâncias eram longas e as casas ficavam distantes umas das outras. Outras vezes queríamos ser identificados pela mulher que pretendíamos conquistar..."  

 

 

Carreiro que me tocava

era um preto velho pimpão

batia com o pé da vara

e retocava com o ferrão.

 

Batia como pé da vara

retocava com o ferrão

ele deu uma chifrada

que vaiou o meu coração.

...  

       

    

Depoimento

José Agostinho – Barra da Lagoa

    

"...O povo daquele tempo era alegre no trabalho.
Ele entrava no trabalho cantando.
O homem puxava os bois para o engenho.
As moças raspavam a mandioca e botavam na roda.
E o namorado, do lado, raspava a metade da mandioca e dava
a outra metade pra moça raspar. Dali surgiram os namoros.
Quando tirava a massa toda, fazia beiju e, como a gente ajudava, ganhava. 

Botava melado no beiju, porque tinha também engenho de cana, 

e começava a cantar a ratoeira..
Cantava assim:
- Faço renda, faço renda/ faço renda de botão/
pra abotoar na camisa do meu amor que é o João.
Como o meu nome é José, eu já sabia que não era pra mim..."

  

  


....

Cantigas de Roda

 

 

Canções infantis

  

Foram muito comuns na ilha, principalmente a partir da chegada dos açorianos, em meados do século XVIII. Trouxeram, suas crianças, as cirandas, que eram acompanhadas por canções lúdicas chamadas de cantigas de roda. Dava-se isso ao fato da falta de brinquedos prontos ou manufaturados, daí a necessidade de criar as próprias brincadeiras. As cantigas de roda preenchiam os dias envolvendo sempre um número variado de participantes. A Ratoeira, citada na seção danças típicas, pode-se considerar como a mais tradicional das cirandas que acompanhavam as brincadeiras de roda. 

  

  


.....

Ternos 

 

Cânticos de influência religiosa

 

Chegam às casas aonde se vai pedir reis. A essas loas seguiam-se, outrora, espórtulas aos cantores.

 

No local, a chegada é cerimoniosa:

 

Aqui estou em vossa porta,

Como feixinho de lenha,

Esperando a resposta

Que de vossa bôca venha.

 

Se fizerem luz a acolhida é favorável e os cantores o assinalam:

 

Porta aberta, luz acesa,

É sinal de alegria,

Mande entrar os santos reis

Com sua nobre família.

 

Confessa-se o que se pretende:

 

Aqui viemos cantar,

Por estar noite de chuva,

E também porque queremos,

Da parreira um cacho de uva.

 

Declara-se a guloseima:

 

Aqui viemos cantar,

Porque a noite está tio bela,

Provaremos com prazer,

Doce de cravo e canela.

 

São mais clássicas as quadrinhas seguintes, usadas no interior:

 

O de casa nobre gente,

Escutai quê ouvireis,

A partida do Oriente,

A chegada dos três reis.

 

O de casa nobre gente,

Escutai com atenção,

Já nasceu o rei do mundo,

Para nossa salvação.

 

Para ver o Salvador,

Bendito seja o Messias,

Viagem que era de um ano

Fizeram em treze dias.

 

Acordai si estais dormindo,

Fazei o sinal da cruz,

Lá vem vindo a estrela d'alva,

Com seu menino Jesus.

 

Entrai pastores, entrai,

Por estes portões a dentro,

Vinde ver o Deus menino,

No seu santo nascimento.

 

À procura de Jesus,

Sem nunca poder achar,

Fomos chegar a Belém,

Antes do galo cantar.

 

Cantou o galo, bateu asas,

Não respondeu mais ninguém,

Uma ovelha foi que disse:

Cristo nasceu em Belém.

 

Ficai vós com Deus, senhores,

Na glória com o soberano,

Que lhe dê felicidade,

Boas festas e bom ano.

 

Os "Ternos" também são levados a efeito nas festas de "Ano Bom", "São Sebastião" e "Santo Amaro", tomando os nomes dessas festas.

 

Terno de Reis - variante

 

É meia noite

Lá no céu parece dia

Está caindo o sereno

Lá no rosto de Maria

 

É meia noite

 

Se estas com a porta aberta               

Decerto estão me esperando

Eu ando deporta em porta

Santos Reis anunciando

 

É meia noite

 

Senhora dona de casa

Faz Favor de abrir a porta

Eu venho de casa em casa

Santos Reis anunciando

 

É meia noite (...)

 

Terno de Reis - variante 

 

Aqui estou na vossa porta

Na beiradinha do telhado

Manda abrir na tua porta

Pelo teu nobre criado

 

Acordais se estás dormindo

Neste lindo travesseiro

Que do céu está caindo

Pingo de água de cheiro

Sara eu vejo, sarai eu vejo

Oi, Santos rezes 

 

Santos rezes aqui chegando

Boa noite vai te dar

Abra a sua porta

Para nós poder cantar

 

Oi, Santos rezes (..)

 

Terno de Reis - variante

 

Santo Amaro é bom Santo

Também é boa pessoa

Quem quiser ver Santo Amaro

Vai na festa em Lisboa

Sara eu vejo,

O Santo Amaro.

 

Esta oferta que vóis deu

Pai do céu lhe aceitei

São Pedro com um livro aberto

Santo Amaro assentou

Sara eu vejo,

Oi, Santo Amaro. 

 

 


......

Os bailes

    

 

Chamarrita/Chimarrita

 

Foi sempre muito apreciada nos bailes. É uma moda muito alegre e rapidinha, tipo valsado. Da ponta dos pés. Alguns pares dançavam com mais elegância outros não. Quando a chamarrita era cantada e tocada ninguém ficava no banco, os pares logo se cruzavam. Fazia-se uma roda, cada par ficava de frente um para o outro e a roda ia girando, ora a gente dançava com o traçado, até chegar no pano todos de braços para cima. Enquanto o puxador cantava as quadras o baile não parava, que ficava por conta de um marcador na roda. Ainda me lembro de algumas quadras ao som da viola, das rabecas e as vezes da gaita.

 

Era assim:

 

Quando pego na viola

me lembro da chamarrita

pra quem sabe dançar

não há moda mais bonita.

 

Quem sabe dançar a chamarrita

não arreda do lugar

entra logo na roda

pra mostrar o seu bailar.

 

Deixe que eu te ame

minha folha de alecrim

o que queres que te diga

se não olhas para mim.

 

Massanico

 

Massanico morreu ontem

ontem mesmo se enterrou (repete)

na cova do Massanico

nasceu um jardim de flor (repete)  

Massanico sabe ler

sabe ler mas não escreve (repete)

pra dançar o Massarico

precisa ter o pé leve (repete)  

   

Polca de Flor

 

Rapaz toca uma chamarrita

chamarrita ligeira pra nós dançar

enquanto o Mané Garrafa

toca na garra que é pra arrimar.

 

Quem dançar a chamarrita

tem que ter agilidade

tem que usar calças de chita

pra dançar bem à vontade.

 

 

Fandango

 

Hoje totalmente desaparecido da ilha, ficando apenas a lembrança do bailado dos tamancos.

 

 



Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. XXIII

Canções do Folclore da Ilha de Santa Catarina. Alisson Mota, 2001.